segunda-feira, 31 de maio de 2010

Pela restauração dos absolutos


Se não houvesse um padrão de moralidade absoluto, discussões morais não fariam o menor sentido, lembrava C. S. Lewis. Padrões morais distintos só podem ser comparados à luz de um padrão moral absoluto, oriundo, inescapavelmente, de um Legislador Moral absoluto.

E se na esfera individual a ética é absoluta, também deve ser em âmbito coletivo. E o ordenamento da sociedade, quanto mais alinhado a este padrão, melhor será. Alguma dúvida quanto a isso? Se ainda há - mesmo diante do colapso moral e intelectual do Brasil - vale investigar, na história, as idéias predominantes na ascensão e no declínio dos povos e civilizações.


Outra conclusão fundamental, e até óbvia, de Aristóteles, que serviu de alicerce para toda a filosofia política na Idade Média, seja no contexto árabe, cristão ou judaico, foi a de que se a polis é o domínio onde os atributos da natureza humana podem se realizar de forma plena, para compreendê-la é necessário ter uma visão clara e realista da natureza humana, dos seres que compõem a polis. Enquanto os acadêmicos de hoje se descabelam, considerando problemático o fato de que, nas ciências humanas, o sujeito que estuda e o objeto de estudo é exatamente o mesmo - o homem-, Aristóteles e os grandes filósofos daqueles tempos afirmavam que essa era, e é, justamente, a solução do problema, no que tange à epistemologia.


Por que essas considerações? Simples. Para lembrar que política, e o conhecimento válido a respeito do assunto, não se reduzem meramente a achismos, mera subjetividade, atribuir culpa a esta ou aquela corrente, ou que “falou em política, falou em sujeira”, como se esta dimensão da natureza do homem, como se este ramo do conhecimento, fosse algo essencialmente maligno. Se é, por que se tem tanta esperança que processos, planejamentos, agentes, ideologias e partidos políticos podem trazer melhorias concretas para a sociedade?


Triste é constatar que os indivíduos mais esperançosos no aprimoramento do homem e da sociedade por meio dos processos políticos são os primeiros a jogar para o alto as premissas mais preciosas do conhecimento nesta área, recriminando toda e qualquer oposição a seus postulados apriorísticos (ideologia é essencialmente uma doença cognitiva baseada no apego irracional a postulados desta ordem, desconexos de mediação empírica, com a realidade) de forma arbitrária.


Para cristãos, cair nestes erros é ainda pior. Uma fé que: (1) defende o caráter absoluto da moralidade, (2) afirma a condição caída do homem, e com um (3) parecer taxativo deste Deus onisciente e perfeito sobre a condição moral da humanidade: “vós, que sois maus” (Mt.7:11), não pode, de forma alguma, ceder a relativismos epistêmicos, que jogam a orientação política de cada fiel no cesto das preferências meramente subjetivas, e das utopias que prometem paraísos na terra. Que paraíso, que reino de justiça e paz é esse repleto de homens que, enquanto estiverem vivos, serão maus?


Aí estão conclusões inescapáveis para qualquer pessoa com um mínimo de bom senso. Infelizmente, o ímpeto revolucionário, ou seja, a revolta contra a realidade, a suprema rejeição de sua condição, de sua natureza e das circunstâncias quais foi inserido, por parte do homem, se alastrou de tal forma no presente estágio da história, que a perda, ou melhor, a cegueira obstinada quanto a estes princípios redundou no surgimento das assassinas ideologias de massa, e na infiltração destas em todos os ramos do conhecimento humano. Perdidos os princípios, o debate no campo das ciências humanas, em larga medida, reduziu-se a algo semelhante às discussões de futebol: “meu time (no caso, ‘minhas teorias favoritas’) são melhores que as suas simplesmente ‘porque sim’”.


Mais de uma vez debati com pessoas que, não podendo lidar com estes e outros princípios, pois se chocavam brutalmente com suas opiniões de estimação (na prática, verdadeiras muletas existenciais), apelavam para o xingamento, para o chiste vazio, e para risadinhas que evidenciavam mais o estado deplorável de suas almas do que qualquer outra coisa. Jamais cogitaram na possibilidade de que filosofia política, ciência política, e economia política são assuntos tão espirituais quanto soteriologia, cristologia, harmatiologia, etc.


“Não vou mais discutir com você. Vou escolher outros eruditos, que falam justamente o contrário, e seguí-los”, disse-me certa vez um rapaz. Não foi o primeiro a me chamar de “erudito”, o que denota não só o desaparecimento dos eruditos, mas, pior, a quase onipresente incapacidade de identificá-los; sequer sabe-se o que é um autêntico erudito atualmente. O mais grave mesmo, na afirmação da pobre alma, é que ela me remeteu diretamente a um aviso bíblico:


Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas.
(2 Tm. 4: 3,4)


É claro que é sempre divertido encurralar gente presunçosa. Mas é lamentável ver este rapaz, e toda uma geração, rejeitando, na prática, os princípios, os absolutos, a noção mesma da verdade e da possibilidade de conhecê-la. Na política, na antropologia, na teologia, na busca de conhecimento sólido e devidamente fundamentado. Querendo dominar e aprimorar o mundo, perderam o controle de suas próprias mentes, e tornaram-se zumbis, autênticos mortos vivos, e levam o cheiro da morte por onde passam.


Já afirmei anteriormente que ser um “cidadão do nosso tempo” é essencialmente afirmar com todas as forças não suportar a mentira e a injustiça, e em seguida, dizer que a verdade é relativa e que não existe certo e errado. Há muitos que não chegam a tanto, mas abrem exceções para algumas áreas, e política costuma ser preferida. Ainda assim, sem notar na contradição em que caem, querem dar seus pareceres no assunto. Comprometidos com a verdade é que eles não podem estar, certo?


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