segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Desgaste, compaixão e resgate

Assaltar um banco. Não, você não faria isso. Um homicídio? Tampouco, jamais. E é por saber que você não faria isso que o diabo não irá te tentar com propostas dessas. Quando vejo um irmão com sua chama meio apagada, papagaiando idéias alheias à Palavra, pessoa outrora referência de devoção, sabedoria e zelo, tenho certeza que, para chegar neste estágio, nada ocorreu da noite para o dia. Houve um processo, no qual se inclui uma série de fatores, como aquela acomodação advinda do orgulho (normalmente fruto da comparação com outros irmãos) capaz de, primeiramente, diminuir o ritmo de crescimento de uma vida espiritual, para depois, interrompe-lo. Por fim, inicia-se o retrocesso que faz o porco lavado ao retornar ao lodaçal, para ficar com as palavras do apóstolo.

E aí está nosso irmãozinho. Sedizente cristão, mas já com aqueles adereços que não foram produzidos na feirinha do arraial dos santos: palavrório, posturas e valores que já conhecemos bem, onipresentes na indústria cultural, e que tão facilmente brotam da alma de um ser humano entregue a si mesmo, ansioso por ‘liberdade’ e ‘independência’.

O que quero destacar é que a deteriorização da vida espiritual nunca é brusca, abrupta. O cristão descuida-se, aceita uma sugestão diferente aqui, outra ali, cede um pouco mais acolá. Isso pode durar semanas, ou meses. Até que chega um bacaninha, questiona alguma ordenança bíblica de forma muito bem disfarçada, sutil e sagaz. E o discípulo pensa: "É, não é bem assim".

A partir daí, acelera-se a derrocada. Em pouco tempo, poderemos ver o ex-líder de adoração num carro alegórico de escola de samba. É sempre fácil encontrar pessoas amadas neste processo, em estágios menos ou mais avançados em nossas famílias e na Igreja. A atitude mais comum e miserável é por o dedo em riste e entrar no batalhão da patrulha farisaica, que nunca tem problemas de excesso de contingente. E lá vai mais um ditado sueco para lembrar o povo de Deus que superambundante graça precisar ser espalhada a qualquer pessoa, em qualquer situação: "Procure me amar quando eu menos merecer, porque é quando mais preciso". Na mesma direção, as Sagradas Escrituras dizem:

"Se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte de seu Filho, muito mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida".
Romanos 5:10 (Bíblia Sagrada, trad. Almeida. Revista e Atualizada)

Resgatemos nossos soldados contaminados, que estão atrás das linhas inimigas.

quarta-feira, 14 de setembro de 2005

Misantropia x "Ser Sal"


"A liberdade reside na conformidade, não na separação.[Devemos] buscar o ponto onde a liberdade e o amor coincidem. Este é o ponto que Sartre ignora.O próprio da liberdade não é tão-somente fazer-me escolher entre possíveis no tempo, mas fazer-me escolher entre o tempo e a eternidade, ou antes, permitir-me preferir sempre a eternidade ao tempo".
Louis Lavelle – Graça e Liberdade
Tradução - Luiz de Carvalho.


Dias atrás, graças a um provérbio sueco que diz: "os jovens vão aos bandos, os adultos aos pares e os velhos sozinhos", eu andava desconfiado de ter passado subitamente da juventude para a velhice. "Será que eu passei a "vida adulta" e me tornei um xaropão ranheta e caduco antes do tempo"? Afinal, amo ficar sozinho, posso passar um dia inteiro só e mesmo assim me diverto bastante, com meus livros, textos, com minha guitarra, pensando em posts para o blog, etc... A sós, somos sempre nós mesmos, sozinhos, somos 'livres'.

Muitos sábios apreciaram o isolamento, lamentando o dilema entre tarefas pessoais e sociais, como fez Hermann Hesse, ou a complexidade das relações humanas, da qual queixava-se o über-jornalista Paulo Francis. Não estavam totalmente errados. Porém, entre eu e eles, há uma diferença, literalmente, crucial, no sentido mais estrito da palavra: sou cristão. Devo ser sal da terra e luz do mundo, candeia em lugar alto e visível para que a luz possa ser bem aproveitada. A introspecção é ótima e a meditação fundamental. Mas preciso resistir à tentação de evitar pessoas. Devo é amá-las, o que muitas vezes significa gastar tempo com elas, dividir dores e alegrias, misérias e virtudes, de forma que, através da minha vida, essas pessoas se aproximem do Altíssimo. Não é fácil, mas agir assim é exatamente imitar, em menor escala e em suas devidas proporções, o ato heróico e apaixonado de Jesus: despir-se de sua Deidade, deixar seu trono de glória e vir nascer num curral fétido, emprestado, filho de uma mulher cujo povo já era dos mais odiados, oprimido por um truculento império. Foi um carpinteiro cheio de gente a sua volta, cercado de discípulos bem burrinhos e sempre com legalistas manés (desculpem o pleonasmo) no seu rastro.

Portanto (eu e meus "portanto", não é mesmo?), quem sou eu, quem somos nós para pensarmos que os homens não merecem nossa companhia? Há tempo para tudo debaixo do sol, e que saibamos discernir hora certa de entrar e de sair da caverna. Para que a graça dEle transborde de nós, e que todos que estiverem a nossa volta sejam inundados do Amor Eterno.

quarta-feira, 7 de setembro de 2005

Em quais hostes militas?

Descobri o porquê de tanto sectarismo nas igrejas protestantes. Há dois tipos de pessoas dentro delas: os sedentos, os que querem mais, e “as crianças que brincam de religião”, que quando percebem que Deus irá se manifestar, fogem da raia. Com a palavra, ninguém menos que C.S. Lewis:

“E sempre assustador encontrar vida quando pensávamos estar sós. "Cuidado!" gritamos, "está vivo!”. E assim esse é exatamente o ponto onde muitos retrocedem - eu teria feito o mesmo se pudesse – e não continuam no Cristianismo. Um Deus "impessoal" – não basta. Um Deus subjetivo de beleza, verdade e bondade dentro de nossas cabeças - melhor. Uma força vital informe, surgindo através de nós, um vasto poder que podemos deixar fluir - perfeito. Mas o próprio Deus, vivo, puxando do outro lado da corda, talvez se aproximando numa velocidade infinita, o caçador, o rei, o marido – aí são outros quinhentos. Chega a hora em que as crianças que estavam brincando de ladrão de repente silenciam: o que ouvimos foram passos de verdade no corredor. Chega a hora em que as pessoas que estavam brincando de religião ("A busca de Deus por parte do homem!") subitamente retrocedem. E se O encontrássemos de verdade? Nunca imaginamos que isso pudesse acontecer! Pior ainda: e se Ele nos encontrou?”

C.S. Lewis – Milagres - Tradução minha, misturando outras duas.

Eu já vi isso acontecer. Até me lembrei do Gregório McNutt, que diz que sempre há líderes tentando apagar o fogo que o próprio Deus acende na vida de alguns cristãos....

A pergunta que fica é: De que lado estou? E você? “Examine pois o homem a si mesmo”...

quinta-feira, 1 de setembro de 2005

Conhecimento X Revelação

Dedico o post "Conhecimento x Revelação, escrito por Norma Braga, para todos aqueles irmãos em Cristo que tem medo de usar o cérebro. Infelizmente, não são poucos.


Conhecimento X Revelação

Teólogos se ocuparam por séculos com a questão da obtenção da fé cristã: seria por revelação ou por conhecimento? Creio que a discussão se torna um quebra-cabeças insolúvel se tomada desta forma, "ou conhecimento, ou revelação". O ideal é deixarmos de antagonizar essas duas instâncias para entendermos que todo conhecimento verdadeiro também vem de Deus. A Bíblia diz que são culpados os homens que, ao olharem para tudo o que existe no mundo - a criação - , não louvam o autor, o criador. O que significa que as coisas criadas também falam de Deus, e sobre isso existe um salmo lindíssimo que diz: "Os céus proclamam a glória de Deus / E o firmamento anuncia a obra de Suas mãos". Para reconhecer essa glória visível no mundo, precisamos dos dois lados: o sensível, para chegar às coisas, e o inteligível, para fazer uma ponte entre elas e Deus. Tudo se faz assim, nada é apenas "revelação" solta, sem nossa participação, ou "conhecimento puro", com nossa mente em atividade no vazio ou apenas consigo própria.

Logo, como protestante, acredito firmemente na ênfase na revelação de Deus como modo de se obter a fé, mas não tomo a revelação como oposta ao conhecimento. Para mim, a melhor maneira de se entender isto é o seguinte: Ele começou primeiro. Ele já existia antes de tudo, Ele imaginou, Ele criou. Assim, a iniciativa é sempre Dele em tudo. Isto se chama, afinal, graça: diante de Deus, seremos sempre os agraciados, aqueles que recebem. Logo, recebemos: revelação e conhecimento, sempre. E o antagonismo revelação x conhecimento parece perder todo o sentido se pensamos na infalível graça de Deus. Pois, no final das contas, tudo é revelação no sentido lato, começando pela revelação de si e de seu amor: "Ele nos amou primeiro."

Acredito então que, ao se fundarem necessariamente no antagonismo, os defensores de ambas as posições incorrem em erro. Os cristãos protestantes tendem a privilegiar tanto a revelação "pura" que acabam menosprezando a razão como se esta fosse intrinsecamente separada de Deus. Logo, acabam sendo anti-intelectualistas. Já os gnósticos enfiam os pés pelas mãos porque, ao privilegiarem a razão (ou o que entendem ser razão - uma razão cartesiana, mutilada do sensível, já que se concentra em excesso na mente humana, nos processos interiores), subordinam-lhe a graça, e acabam prescindindo do verdadeiro iniciador de todo processo de conhecimento. As duas posturas geram doença: a primeira diz "só Deus", e a segunda diz "só o homem".

A doutrina protestante oferece uma boa dimensão da graça. Evangélicos em geral crêem certo quanto a Deus como o grande iniciador, mas têm um medo irracional de interferir no processo e gerar orgulho - o que é uma tolice, porque a graça de Deus não significa passividade humana. Ele nos chama para sermos co-participantes de sua glória, não para recebermos Dele de forma estática. Um dos mais belos detalhes na história de Moisés é quando Deus diz para ele tocar o cajado no mar. Deus não poderia ter simplesmente mandado o mar se abrir? Não poderia ter ecoado uma voz do céu assim: "Abre-te, mar"? Mas não: delega o gesto a Moisés, e o mar se abre. É óbvio que não foi Moisés quem abriu o mar, foi Deus; mas Ele o chamou para participar do milagre. A Bíblia inteira nos chama a essa co-participação dos milagres divinos, parecendo afirmar que somos mais humanos - somos plenamente humanos - quando agimos em conjunto com Deus, porque afinal Ele nos criou para isso. Jesus o mostrou perfeitamente, sendo o melhor ser humano que chegou ao mundo por estar em perfeita sintonia com Deus.

http://www.normabraga.blogspot.com/